Serviço social - Ato I: o pesquisador social vai além.
- Evandro Prestes Guerreiro

- 28 de fev. de 2024
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Enquanto escrevo essas reflexões críticas e científicas, pois, o olhar do observador da pesquisa social, exatamente, o assistente social ocupa o papel de mediador entre o sujeito humano-social e o objeto do conhecimento, que neste caso, me refiro a Questão social [1-A], a vastidão do espectro social humano, que em hipótese alguma, deve ser reduzido a reflexões monotemáticas sobre o fato social em si, focado em sua específica particularidade. Portanto, como pesquisador social, devo ir além, buscando a multidimensionalidade que extrapola o limite humano concreto, como elemento terra, que possibilita criar raiz e fazer parte da singularidade da constelação terrena.

A observação sobre a realidade pode partir da ideia para a concretude ou desta, para a ideia e ainda, da concretude idealizada para ideia concreta possível. Marx definiu como práxis social. “[...] O caráter social é o caráter universal de todo o movimento; assim como a sociedade mesma produz o homem enquanto homem, assim ela é produzida por meio dele” [2]. A práxis como atividade humana prático-crítica resultado da relação entre o ser humano e seu habitat, considerando que a realidade observada pelo pesquisador social, passa a fazer sentido em seus pensamentos, à medida que é mudada e transforma a consciência de si em consciência coletiva. Surge nesse momento, o compromisso com a emancipação da sociedade e o comprometimento com a classe trabalhadora, a que pertence o serviço social. Porém, o pesquisador(a) social, sendo você e, se acredita em Deus, então, "ir além" seria como buscar inspirar-se no Deus que acredita, empodera, liberta, porém, sendo responsável, ético e sustentável. Ficar nas “quatro-linhas” é definir o limite monotemático da clássica luta entre o bem e o mal, onde os extremismos se encontram e fazem moradia.
O ser humano é de bem quando lhe é conveniente e é de mal, quando a oportunidade tende a colocar em questão sua sobrevivência animal. Somos bons e justos, quando a sociedade possui a ética dos direitos humanos, cidadania e sustentabilidade, mas também, maus, ignorantes e violentos, quando as verdades se sobrepõem aos fatos. Assim, o papel da religião, por exemplo, é “ir além”, diferente disso é cooptação, corrupção e exploração. O dízimo, assim como a esmola, nada mais é que exploração material com mais-valia espiritual, oportunismo da moral como mercadoria e corrupção de valores, uma vez que se troca “imposto”, por direitos sociais.
Agora, se você como pesquisador(a) social, acredita que as ideias surgem pela inspiração cosmo-visionária, então, “ir além” pode significar transcender filosoficamente, considerando que somos submetidos a condição material tangível, então, mais especificamente, podemos ser o intelectual que racionaliza metaforicamente no laboratório, hipóteses em estado beta contínuo, ou também, o intelectual orgânico, na boa análise gramsciana [3-B], que deixa exposto o risco de transformar-se pela empatia social e aderir à causa social defendida por determinado grupo, em vez de fazer a suspensão do cotidiano, na definição e Agnes Heller [4-C], pelas evidências analíticas e críticas do momento situacional da análise solução do problema social. Qual pesquisador social você é?
O espaço-temporal qualifica a história contemporânea em tempo real, sincronizando o passado, o presente e o futuro das escolhas feitas e as decisões aplicadas. A governança corporativa, estatal e societal [D], precisam ressignificar seus propósitos intelectuais e de ações concretas. Compreender a dimensão social das pessoas que colaboram no ambiente de trabalho, indo além do pragmatismo das necessidades lucrativas e dos objetivos organizacionais.

O “serviço” social requer o domínio da observação analítica e diagnóstica da realidade interventiva, o que somente o pesquisador social é capaz de fazê-lo com propriedade, considerando que seu processo formativo ocorre com base em evidências dados das múltiplas expressões da Questão social na realidade material, mas também, no simbolismo da formação do conhecimento e do pensamento. Como sujeito da relação com o objeto de conhecimento, o pesquisador social é trabalhador, sendo coerente que defenda os direitos da classe trabalhadora, para ser explicitamente adepto do serviço social crítico, mas, a pesquisa em si não é a ação interventiva e sim, a práxis dialética da observação feita sobre o fenômeno investigado e sem juízo de valor, definido por Max Weber [5] como neutralidade axiológica.
A cosmovisão característica é a que envolve o todo, seja o holismo para a filosofia, o sistema para a gestão, a paixão para a ciência política, a cultura para a antropologia ou ir além para o pesquisador social.
Notas:
[A] “O mais tangível da Questão social é o problema social, pois, basta caminhar pelas ruas da cidade para identificar sua materialidade e evidência concreta” (GUERREIRO, 2020, nota do editor).
[B] "Orgânico" no entender de Gramsci é o compromisso vital que os intelectuais podem ter com as classes no processo que travam na disputa pela hegemonia em uma totalidade sócio-histórica, como na época de Gramsci, a Itália da primeira metade do século XX.
[C] “[...] o sistema de Marx contém uma contradição particular: por um lado, Marx construiu filosoficamente o sujeito da revolução, ou seja, formulou a hipótese de uma classe que, necessariamente, enquanto classe, por meio de um processo revolucionário, liberta toda a humanidade. Por outro lado, descreveu a sociedade capitalista de modo a demonstrar que as leis econômicas conduzem necessariamente a uma revolução histórico-social. (HELLER, 1972, p. 14).
[D] Uso a AI gemini [antes era Bard] da empresa google, que qualifica societal como, "a soma das condições e atividades humanas consideradas como um todo funcionando interdependentemente".
Referências
[1] GUERREIRO, E. P. A questão social e a cidadania no neocapitalismo – competências profissionais no trabalho social. Curitiba: Brazil Publishing, 2020.
[2] MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. 3. impr. São Paulo: Boitempo, (2008, p. 106).
[3] GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.
[4] HELLER, A. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
[5] WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. São Paulo: Ática, 2006.








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